O TRIUNFO DO FRACASSO

     Artigo do psiquiatra Pablo Miguel Roig, CRM 24968, Presidente do Conselho Editorial do Instituto Greenwood e Sócio-Fundador da Clínica Greenwood, referência no tratamento de dependentes de drogas no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos e na Espanha

Os livros que Alejandro Merenzon ,junto com o Prof. Eduardo Kalina, tem publicado ultimamente, trazem uma grande contribuição para a compreensão do tema das adicções, com aportes teórico- práticos que enriquecem, com um discurso de fácil compreensão, o arcabouço de recursos para os que lidamos com as dependências químicas. Nesta sequência de oito volumes, abordam-se temas que têm a ver com muitos anos de experiência de trabalho terapêutico.

Alejandro Merenzon

Encontrei muitas coincidências no descrito nessas publicações e o que encontro em nossos pacientes, suas famílias e a resposta social a esta patologia. Talvez pelos anos que convivemos pessoal e profissionalmente com Kalina, em alguns casos, o compartilhamento de conceitos faz com que confunda minhas ideias com as dos autores de ditas obras. A afirmação de que “ninguém é original em sua patologia” pode ser uma explicação para este fenômeno, já que lidamos com a mesma situação. 

Eduardo Kalina

Em seu livro “Limitoterapia”, Kalina conta um caso, em que um paciente, fugindo do tratamento de internação em que pulou o muro da clínica e saiu sem roupa, pegando um táxi nu, alegando ter sido sequestrado e roubado, volta a sua casa e imediatamente é reinternado pela família. Ao chegar na instituição, foi recebido pelos outros pacientes como um herói. Na supervisão que realizei na manhã desta quarta-feira com minha equipe da Clínica Greenwood, defrontei-me com uma situação semelhante, em que alguns pacientes, que manipulando as famílias, suspenderam precocemente o processo de tratamento em situação totalmente precária, cronificando ainda mais a sua situação e se colocando novamente dentro de um sistema perverso, tóxico, disfuncional e com grandes possibilidades de recaída. O curioso é que, mesmo com a possibilidade de fracassar a curtíssimo prazo, com a possibilidade de, na melhor das hipóteses, serem trazidos novamente ao tratamento, com o fato de colocarem em risco sua integridade, com o seguro enfrentamento com as situações que não puderam elaborar e que se mantêm intactas, estes personagens são idealizados e invejados pela comunidade dos pacientes.

É evidente que esta situação, por ser vista pela equipe como de muita preocupação, nos levou a intensificar a temática valorativa, que como já descrevi em outro artigo está com os sinais trocados. O menos é mais e o mais é menos.

Nossos pacientes evitam qualquer limite, por menor que seja e passam grande parte do tratamento olhando para a porta de saída, pela saída em si, não importando o que vão encontrar do outro lado. Esta situação incoerente, assemelha-se ao ato imediatista de usar qualquer droga psicotóxica, portanto pode ser considerada uma recaída. Não têm a capacidade de medir as consequências de seus atos, nem se adiantar ao que virá. “Tudo é aqui e agora, não existe o depois, só vivo o presente, esqueço o passado e não vejo o futuro”.

Neste processo, o estabelecimento de vínculo terapêutico fica muito prejudicado e a equipe de tratamento, que com dedicação intensa procura beneficiar o paciente ajudando-o a desenvolver um projeto de vida, com respeito e afeto, é vista como o algoz que questiona seu presenteísmo e inconsequência e o impede se viver com seu projeto de morte e mediocridade característicos da dependência. Sem dúvida, a difícil tarefa terapêutica precisa de vocação, dedicação, formação e trabalho de equipe. Lidamos com distorções valorativas que foram mantidas durante muitos anos, com interações pessoais, familiares e sociais. Enfrentamos um terreno árido, em que plantar encontra dificuldades estruturais, portanto devemos ter em conta que estes problemas não devem nos desanimar e o êxito deve ser definido pelo êxito e esta mensagem deve ser repetida inúmeras vezes em nossa função terapêutica. Alguns vão entendê-la e são estes os que nos alentam para continuar nosso trabalho.

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