Dr. Pablo Roig: UM OLHAR À VELHA PANDEMIA
Artigo do psiquiatra Pablo Miguel Roig,CRM: 24968, Presidente do Conselho Editorial do Instituto Greenwood, fundador e Diretor da Clínica Greenwood, referência no tratamento de dependentes de drogas no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos e em Portugal
Escreve o doutor Pablo Miguel Roig:
“Frequentemente olhamos para outros países para termos alguns pontos de comparação na procura de soluções para os problemas locais.
Recentemente, num artigo da BBC Brasil, encontrei dados interessantes, a respeito da situação que os Estados Unidos enfrentam em relação a outra epidemia que assola o país, com números alarmantes que quantificam as mortes por overdose de drogas.
Segundo o CDC, órgão de controle de doenças, entre maio de 2019 e junho de 2020, 81,2 mil indivíduos morreram de abuso de drogas, o que representa um aumento de 18,2%. Este número distribui-se com um acréscimo de 38,4% por fentanil (opioide sintético), 34,8% por metanfetaminas e 26,5% por cocaína. Em San Fancisco, Califórnia o número de mortes por overdose (621), superou o das provocadas por COVID-19 (182) no ano passado.
Estes números têm relação com os mecanismos de mitigação da pandemia. Os lockdowns e o distanciamento interromperam os serviços sociais de saúde, consultas e grupos de ajuda mútua foram reduzidos e o uso solitário causou um efeito negativo quanto ao atendimento das overdoses, já que o usuário não tinha a quem recorrer. A diminuição do consumo por questões económicas provocou uma diminuição da tolerância, sendo que ao voltarem a usar a quantia a que estavam habituados, provocavam uma sobredosagem.
O Dr. Dan Ciccarone, da Universidade da Califórnia em San Francisco divide a morte de 750 mil pessoas desde 1999 nos Estados Unidos em quatro ondas:
#1) Em 1990 começa o uso abusivo de anestésicos opiáceos com receita médica.
#2) Os médicos passam a usar estes fármacos com mais precaução, reduzindo a indicação e a população passa a usar heroína, já que é mais barata e fácil de obter.
#3) Em 2016, o fentanil é fabricado e comercializado em forma ilícita.
#4) Invasão do mercado da droga pelas metanfetaminas.
Em 2017 houve uma redução destes números ao olharmos para a totalidade das drogas, mas um aumento significativo do consumo de fentanil, segundo o Dr. Andrew Kolodny da Universidade Brandeis de Massachusetts.
Sendo vista a situação pelo governo americano como uma questão de saúde pública, o presidente Trump solicitou uma verba de aproximadamente 3 bilhões de dólares para enfrentar o problema, diminuindo as prisões e aumentando o acesso a tratamentos. Já o presidente Biden considera necessários 125 bilhões de dólares, aumentando fortemente os recursos para tal imprescindível guerra.
Kolodny declara: “Precisamos de uma expansão dramática no acesso a tratamento e ainda não vimos isso. É necessário que seja mais fácil para um dependente conseguir tratamento que conseguir droga”.O que vemos nos Estados Unidos é um reflexo do que presenciamos no Brasil com respeito à gravidade que tem o uso de substâncias de alto poder destrutivo e como elas fazem parte da nossa sociedade. Com diferentes drogas, mas com o mesmo teor desestruturante de nossa trama social, no nosso país devemos enfrentar esta luta com elementos eficazes e não com indiferença ou omissão. Em outras publicações manifestei a preocupação de darmos a necessária importância à pandemia do COVID-19 e a negligência com que tratamos esta outra pandemia, que é mais letal, mais destrutiva e mais antiga.”