CANNABIS E COVID-19

Artigo do psiquiatra PABLO ROIG, Presidente do Conselho Editorial do Instituto Greenwood-Centro de Ensino e Pesquisa -, fundador e Diretor da Clínica Greenwood, especializada no tratamento de dependentes de drogas e referência no Brasil, Argentina, Estados Unidos e Portugal.

Recentemente ,recebemos a notícia que a imprensa espalhou

com grande estardalhaço a respeito do poder terapêutico da

cannabis, diminuindo a possibilidade de agravar o quadro

provocado pela COVID-19, pelo seu poder anti-inflamatório. O

que preocupa é o uso que se faz desta informação. Parece que os

adeptos à maconha encontram mais um elemento para

inocentar a droga de seus efeitos deletérios e as consequências

desastrosas de seu uso. Esta pesquisa é simplesmente preliminar

e os seus próprios autores recomendam cautela. É imperativo

que os formadores de opinião, também atuem com cautela e

passem a informação com conhecimento de causa, evitando o

sensacionalismo, que certamente será aproveitado pelos

defensores do uso desta substância altamente tóxica e

relacionada com todos os quadros psiquiátricos, aumentando

sua incidência e por vezes provocando quadros irreversíveis.

Frequentemente me refiro à qualidade investigativa da ciência e

que não encontra portas fechadas para sua curiosidade a

procura de saber o que não se sabe e enfrentar sempre novas

incógnitas. Muitas das questões que se apresentavam com uma

certa resposta foram revistas e modificadas de acordo a

evidências que podiam contrariar o que já era tido como certo.

Lembremos os trabalhos de Linus Pauling em relação ao uso de

grandes dosagens de Vitamina C na dieta como tratamento e

prevenção de inúmeras condições patológicas, e que hoje não

tem a utilidade que ele preconizava. Também a medicina

reconsiderou o uso de opiáceos, que voltaram a fazer parte da

farmacopeia como um importante recurso no tratamento da dor.

Há inúmeros exemplos de revisões científicas ao longo da

história, que melhoraram as ações em favor da saúde.

É evidente que estamos sempre na procura de soluções a mais

neste tempo em que devemos encontrar uma saída para esta

penúria que o mundo todo está vivendo. Toda possibilidade de

solução deve ser analisada e cada uma delas nos traz uma nova

esperança.

No caso particular do tema que abordo, a possibilidade de

termos no canabidiol (CBD) um aliado que pode diminuir o

sofrimento dos afetados pelo vírus é vista com grande simpatia e

otimismo, mas devemos ter em conta as limitações do trabalho

realizado pela Universidade Lethbridge. As evidências de ação

terapêutica foram tiradas de tecidos artificiais e in vitro, que

revelaram que o CBD bloqueia o acesso do COVID-19 à enzima

ECA-2 (enzima conversora de angiotensina 2) que acaba sendo a

porta de entrada para o vírus se ligar às células do corpo

humano. Se isto se consolidar em experiências em animais e em

humanos, teremos um elemento a mais para combater a

pandemia, sempre com um controle científico e a utilização da

droga com critérios médicos.

A ciência não se caracteriza por persistir na ignorância e o

desconhecido é um incentivo para procurar respostas. Não

excluo a possibilidade de virmos a usar os recursos terapêuticos

da cannabis, mas sempre considerando o equilíbrio entre os

benefícios e os prejuízos de seu uso com critérios fortemente

científicos.